O Carnaval das grandes Escolas de Samba

O Carnaval das grandes Escolas de Samba

Por Aydano André Motta

O Carnaval das grandes escolas de samba mira o futuro enquanto busca redefinir receitas e se engajar nos parâmetros identitários que, na sociedade atual, valorizam marcas e atraem parceiros.

O espetáculo que um dia dependeu quase exclusivamente dos direitos de transmissão da TV se sustenta, cada vez mais, com a venda de ingressos – e vai dobrar a aposta.
O plano, além de garantir mais recursos para produção do desfile, tem potencial de resolver demanda antiga da festa: levar o público apaixonado pelas escolas à plateia da Sapucaí. Hoje, o preço de frisas e arquibancadas exclui a maioria dos amantes do samba – especialmente quem vive nos subúrbios e na região metropolitana –, e reduz o desfile a um recreio da elite.


O aumento da receita com os espaços mais caros da Sapucaí (camarotes, sobretudo) viabilizará subsídio para os ingressos das arquibancadas, reduzindo o preço – hoje entre R$ 250 e R$ 300 por noite, nos melhores setores. O gasto da jornada quase duplica, com transporte e alimentação para atravessar as nove horas da maratona do paticumbum. Como se fala em carioquês, puxado.


A Liga Independente das Escolas de Samba (Liesa), gestora da festa, encara os supercamarotes – que reúnem milhares de convidados e oferecem shows e serviços variados nas áreas internas – como o pote de ouro no fim do arco-íris da folia. Um ingresso para os espaços mais vips chega a R$ 5 mil por noite e ainda há patrocinadores interessados em estampar suas marcas nas camisas dos convidados. Rende uma impressionante montanha de dinheiro.

No Carnaval de 2020, os supercamarotes pagaram, juntos, R$ 30 milhões à Liesa e faturaram R$ 130 milhões.

Alguns sequer são desmontados quando os tambores silenciam; permanecem abertos ao longo do ano, quebrando o gelo da Sapucaí com festas privadas.

Agora, a entidade planeja controlar os supercamarotes, ao invés de vendê-los. “A Sapucaí atrai um tipo de público que quer ver e ser visto”, observa Gabriel David, diretor de marketing da Liesa. “E nem as escolas de samba têm como receber as pessoas. Os espaços principais são todos controlados por empresários de eventos”, critica ele, em entrevista ao podcast Carnavalesco. Daí o projeto de a gestora da festa prover a estrutura e turbinar o lucro. Sem intermediários.

Em 2023, a Passarela do Samba esteve lotada, com ingressos esgotados todos os dias. A estrutura ainda tem problemas – urgência de obras no equipamento envelhecido, banheiros insuficientes, acessos caóticos, pouca qualidade na alimentação – mas a paixão pelas escolas fala mais alto e quem experimenta sempre volta.

Faz sentido, porque o Carnaval oferece conteúdo da melhor qualidade dentro da pista. Enredos progressistas, crescentemente conectados com as agendas mais urgentes do Brasil, rendem sambas de qualidade, ditando o ritmo da passagem de alegorias e fantasias cada vez mais bonitas. A entrega apaixonada e apaixonante dos componentes completa o arrebatamento.

Uma das favoritas ao título (você viu na Rio Já de fevereiro), a Imperatriz Leopoldinense sagrou-se campeã após 22 anos na fila, com o delirante enredo sobre a vida após a morte de Lampião e Maria Bonita. A Viradouro, poderosa escola de Niterói, terminou em segundo, com a história de Rosa Maria Egipcíaca, primeira escritora negra do Brasil. A Vila Isabel de um renascido Paulo Barros listou aleatoriamente festas famosas mundo afora e passou adorável, garantindo a terceira posição.

Em seguida, ficou a Beija-Flor, que repetiu o engajamento político ao propor uma nova Independência do Brasil, para contemplar os povos excluídos pelas injustiças sociais. Mangueira, com a influência africana no Carnaval da Bahia, e Grande Rio, homenageando Zeca Pagodinho, fecharam o grupo das seis primeiras, que desfilou no Sábado das Campeãs.


Falta o mercado publicitário embarcar no encantamento. A TV Globo, detentora dos direitos da festa há quase 40 anos, vendeu apenas uma cota comercial da transmissão, da Ambev, que anunciou a Brahma.

Os métodos tradicionais de receita não estão respondendo – o que aumenta a importância dos ingressos.

Para ter sucesso no jogo do dinheiro, as escolas de samba e a Liesa ainda têm que se atualizar.

A festa do povo preto também é brasileira nas mazelas – no dia da leitura das notas do desfile, as redes sociais bombaram diante da falta de diversidade no júri encarregado de apontar o resultado da disputa dos bambas. Entre os 36 avaliadores, há dois negros, 12 mulheres brancas – e 22 homens brancos.

Resulta na cena de artistas pretos como Selminha Sorriso (porta-bandeira da Beija-Flor), Juliana Alves (atriz, protagonista da comissão de frente da Unidos da Tijuca) e Evelyn Bastos (rainha de bateria da Mangueira) desmanchando em mesuras na direção de pessoas quase todas brancas.

Na própria explicação das notas dadas aos artistas, há exemplos de preconceito. Paulo Rodrigues e João Wlamir, bailarinos do Theatro Municipal, penalizaram a porta-bandeira da Mangueira, Cintya Santos, por “excesso de vigor” na dança. Queriam algo mais parecido com o balé, manifestação artística dos brancos, apropriada a outros palcos. A guardiã do pavilhão verde e rosa ganhou o Estandarte de Ouro, principal prêmio individual do Carnaval, por sua apresentação impecável.

A diretoria da Liesa tem apenas dois negros e nenhuma mulher. À frente das 12 integrantes do Grupo Especial em 2023, estão sete homens brancos, três pretos e somente duas presidentas – a campeã Cátia Drummond e Guanayra Firmino, da Mangueira, a única negra. Falta representatividade, característica valorizada pelo mercado, nas grifes da folia.

Outro alvo por conquistar é a sustentabilidade. As escolas ainda não apostam em práticas ambientais. A produção do Carnaval mantém-se ecologicamente incorreta, com uso excessivo de plásticos, penas de animais e combustíveis fósseis.

Empresas que apostam no compliance também hesitam em se associar aos sambistas, pela proximidade dos contraventores que ainda comandam a festa. Os banqueiros do jogo do bicho carioca seguem como personagens influentes e frequentemente o Carnaval paga o pato por crimes e processos fora dele. Principal líder intelectual das escolas e fundador da Liesa, Ailton Guimarães Jorge, o Capitão Guimarães, não foi à Sapucaí porque está em prisão domiciliar. A imagem do espetáculo sai arranhada.

Mas, diferentemente da letra famosa, o samba não agoniza, muito menos morre. A festa dos bambas na Sapucaí se renova e dá sinais vigorosos de um amanhã ainda mais sólido e encantador.

Por Aydano André Motta

 

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Cristiane Mota

Cristiane Mota, fotógrafa. Mãe dos bolinhas, dona de uma adega e leitora veroz. Mineira no Rio de Janeiro. Colaboradora na área de Show.

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