Crítica: Entre Mulheres

Crítica: Entre Mulheres

“Entre Mulheres” é um filme dirigido por Sarah Polley que faz uma adaptação do livro “Women Talking”, de Miriam Toews, que também participou da construção do roteiro adaptado. Inspirado em história real, o longa mostra mulheres de uma comunidade Menonita realizando um debate sobre qual decisão tomar em meio à barbárie.

Quando falo sobre essa decisão a ser tomada em meio à barbárie, é sobre o que fazer num contexto de imparáveis e terríveis abusos sexuais que se estendem por um longo tempo numa pequena colônia isolada de tudo, mas que não consegue se livrar do terror do abuso. O filme possui uma narradora que desde o começo já deixa claro o final do filme ao contar a história que está começando como algo que aconteceu no passado e num outro lugar, um lugar distante de onde ela conta a história. Ela explica que uma denúncia a um dos estupradores fez com ele fosse preso e “entregasse” os outros, com vários sendo levados à prisão para a “proteção deles mesmos”. Com liberdade para se juntarem sem a presença dos criminosos, as mulheres da colônia decidem se juntar para realizar uma votação sobre o que iriam fazer diante daquela situação.

Essa votação seria feita entre fugir, ficar e brigar ou perdoar. Com personagens bem diferentes entre si inseridas numa comunidade extremamente cristã e conservadora, o filme brinca com alguns estereótipos que surgem daí para retratar o debate que elas teriam ali. Tem a idosa religiosa que faz de tudo para convencer as outras que o perdão é o melhor caminho, as adolescentes e jovens caracterizadas de maneira um pouco rebelde, a mais estressada, a mais ponderada, enfim… várias pessoas – algumas bastante forçadas – para considerar vários pontos de vista em torno da discussão, embora todas tenham passado pelos mesmos abusos. Nesse contexto, o filme, ao invés de despertar uma reflexão no espectador, faz essa reflexão ele mesmo, através das falas das personagens, ignorando um pouco a sutileza quando tenta cumprir esse papel de refletir sobre assuntos como cristianismo, papel masculino, misoginia e mais. Entendo a discussão entre elas como uma discussão sobre dor e, quando o filme foca nisso, ainda personificando esse desabafo dentro das histórias vividas por elas, fica realmente muito tocante, mas perde força quando assume um tom professoral ou quando tenta pincelar outros assuntos, como tentou falar sobre transsexualidade, de maneira até preguiçosa.

Como disse, a conversa entre as mulheres da colônia assume um tom quase professoral para quem assiste, como se oferecessem uma cartilha de comportamento. Curiosamente, quem tem essa “aula” é o professor da colônia. Sem acesso à educação, o professor se junta às mulheres para ajudá-las a fazerem as anotações e contas do encontro entre elas e, ao tentar se omitir por não ser quem sofre os abusos, vira uma tentativa do filme de mostrar ao espectadores a posição que um homem deve estar naquele tipo de situação, e, nesse ponto, acredito que bem sucedida. Outro acerto do filme foi como ele cria tensão, apesar desses momentos serem poucos e breves. Os vilões do filme nem sequer aparecem, e realmente não precisavam, para serem vilões. O filme cria momentos de muita tensão e aflição em cima dos abusos sem retratar os abusos, mas expondo suas consequências que vão além das manchas e rastros de sangue deixados após os crimes, mas que chegam principalmente na alma, no interior daquelas mulheres que vivem presas e cercadas pelo que há de mais triste e nojento sem terem quem as defendam além delas mesmas.

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Caio Azevedo

19 anos, estudante de Jornalismo pela UFRRJ.

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