Crítica: As histórias de meu pai
A relação entre pai e filho é um tema muito recorrente no cinema e já foi abordado diante de inúmeras perspectivas, muitas vezes explorando algum tema em específico. Em “As histórias de meu pai”, de Jean-Pierre Améris, o telespectador pode sentir muitas coisas: raiva, empatia, dó, identificação, qualquer coisa. Só não consegue não se comover pela trama, seja pelo motivo que for. Na trama, especial pela pluralidade de temáticas exploradas de maneira sutil, Émile(Jules Lefebvre) é um menino que acredita apaixonadamente nas mentiras contadas pelo seu ídolo que, por acaso, é seu pai, André(Benoît Poelvoorde).
O filme começa tocante pela bonita relação que os dois aparentam ter e a admiração genuína e ingênua que o garoto sente por André, que inicialmente parece ser apenas um personagem caricato e até carismático. Entretanto, ao longo do filme, passa a ficar claro que as mentiras do pai não são mentiras quaisquer, e sim manipulações completamente nocivas, num contexto de abalo às práticas imperialistas francesas de 1960, claramente sustentadas em delírios advindos de traumas passados que vão, aos poucos, transformando Émile numa réplica de André, adquirindo e replicando os traços mais controversos de quem o cria, enquanto segue se tornando, assim como sua mãe, um mero instrumento de abuso dentro de casa.
A importante e plural mistura de temáticas refletidas na trama, junto das interpretações muito bem feitas pelos atores citados, além de Audrey Dana(mãe do menino) e Tom Levy(amigo de Émile), causa reflexões importantes a respeito delas, e a repulsa causada pelas atitudes do pai vão, com o passar do tempo, se traduzindo em outra reflexão importante a respeito dos motivos daquele comportamento repugnante e como tudo chegou naquele ponto. A obra não é, necessariamente, pautada por pontos de virada na narrativa, como a maioria dos filmes, mas sim por uma construção quase linear que aparenta buscar mostrar como os filhos são, muitas vezes, máquinas de copiar a figura paterna e o quão problemático isso pode ser, especialmente com uma família desestruturada.
A casa de Denise, André e Émile é, na verdade, a casa de milhões e milhões sob a ótica de Jean-Pierre Améris, que tem a habilidade e sensibilidade de juntar o charme das ruas de Lyon à melancolia da realidade e das diversas complicações sociais abordadas, dando à cada assunto a profundidade que é necessária sem transformar em algo clichê ou desinteressante, uma tarefa bem difícil que foi muito bem cumprida pelo diretor e por todos os envolvidos.