Crítica: Titanic (Relançamento)
Arte é um conceito tão amplo e plural que pode ser entendido de inúmeras maneiras. Para mim, ela pode ser entendida como experiência. Arte é experiência, é sobre como cada um interpreta e sente a complexidade de cada obra, especialmente no cinema. Para muitos, experienciar ver um filme mais de uma vez pode ser entediante, mas a oportunidade de ver o relançamento de Titanic, em comemoração aos 25 anos do longa, pode mudar a ideia de quem pensa assim.
Experiência, nesse caso, tem muito a ver com perspectiva e percepção. Assistir um filme tão aclamado e popular quanto o clássico de James Cameron é fantástico desde o primeiro contato, mas ver a partir de um novo conjunto de noções é mais interessante ainda. Na minha circunstância pessoal, ver o filme pela primeira vez desde que era uma criança foi uma oportunidade muito instigante. Sempre me emocionei e me envolvi com a história e não foi diferente dessa vez, mas assistir conseguindo entender melhor toda a profundidade da relação entre os personagens de Kate Winslet e Leo DiCaprio através de uma relação de conflito de classes e todos os paradoxos retratados na trama fez, em partes, a tensão causada pelo naufrágio um detalhe, diferente da tocante e envolvente história de amor vivida pelo casal que também tem muito a ver com esse conflito.
E essa luta é explorada, no filme, usando a trama de uma jovem com casamento arranjado no navio, vivendo uma vida falsa e imposta por terceiros e que nem sequer tem a ver com a real essência da garota e tira qualquer alternativa para seguir vivendo em paz consigo mesma a não ser simplesmente não viver mais, enquanto o rapaz, que conseguiu sua passagem de 3ª classe num jogo de poker, aparece, até num certo clichê, como sua salvação. Sua salvação literal mesmo, quando a impede de cometer um suicídio, mas principalmente sua salvação espiritual naquele contexto que, repito, é meio clichê, mas não deixa de ser lindo. Não só o amor dos dois em si, mas, voltando a falar de arte e experiência, o filme também é lindo quando mostra como Jack vive sua arte e como Rose se envolve com aquilo ao ponto de virar a arte da sua repentina, curta e eterna paixão.
Acredito que James Cameron, de forma premeditada ou não, também retrata na obra essas diferenças de classes presentes naqueles dias no Titanic usando como alegoria a dualidade entre os inesgotáveis glamour e a grandeza presentes naquele colosso no mar e o horror, a melancolia de uma tragédia que, por causa da busca incessante e irracional por ainda mais grandiosidade e charme curiosamente vazios e, claro, mais dinheiro e reconhecimento, tudo que importa para as – também clichês, mas mais reais – almas vazias cheias de ganância ali presentes e que, em maioria, trocaram suas próprias existências por mais alguns dias de luxo.
Como disse, minha experiência com o filme mudou. Não que minhas sensações ao ver o filme pelas primeiras vezes tenham deixado de existir. Elas continuam, mas ver novamente é uma possibilidade de criar novos horizontes na sua observação e acrescentar ao painel de interpretações que cada um tem ao sentir o filme. Porque, acima de tudo, ver um filme é sentir um filme. Titanic te faz sentir tensão nas cenas que parecem ser bem filmadas retratando toda a complexidade no naufrágio e as decisões cruéis que cada um toma num momento como essa, a comoção com a conexão entre os dois protagonistas e tudo que cabe sentir observando as contradições sociais das maneiras que são exploradas nas magnéticas mais de três horas do filme.