Scorsese é sutil sem tentar esconder

Scorsese é sutil sem tentar esconder

 Scorsese inova por ser o que sempre foi em mais uma obra autêntica.

  A lógica que tomou conta do mercado cinematográfico criou uma certa divisão entre os chamados cinema comercial e cinema autoral. O cinema autoral acabou se tornando cada vez mais restrito àqueles diretores que trazem, por si próprios, o público ao cinema. “Assassino da Lua das Flores” é desses.

  O grupo dos diretores com respaldo para produzir cinema de maneira autoral no “mainstream” não é extensa. De cabeça, Tarantino, Wes Anderson e Nolan, mais jovens, vem à mente com facilidade, mas, acompanhando de Spielberg, Martin Scorsese é o nome mais consolidado e mais velho que compõe esse grupo que está na linha de frente do cinema autoral.

  Esse grupo, que acumula bilheterias importantes, só tem o respaldo quem tem por conta da própria lógica que faz com que filmes como os deles surjam menos, mas que bom que ainda surgem. O que fica depois de ter visto um filme como “Assassinos da lua das flores” é o alívio de assistir um filme que não parece que já foi assistido antes mil vezes, dotado de uma originalidade que Scorsese carrega consigo.

  A história dos Osage, bem pouco conhecida por aqui, é o que subsidia a narrativa que gira em torno de Ernest Burkhart(Leo DiCaprio) e William Hale(Robert De Niro). Deslocados de suas terras durante a Marcha para o Oeste, por sorte ou não, acabaram se tornando o povo mais rico per capita do mundo ao descobrirem petróleo na terra onde ocuparam.

  Scorsese é genial ao mostrar de forma tão sutil aquilo que ele não precisa tentar esconder ao contar essa história tão bem, a dissociação étnica e a falência que os Osage sofreram ao passar do tempo a partir dos personagens centrais que são construídos genialmente.

  William King Hale, grande responsável pelo extermínio Osage, é misterioso, vil e repugnante na medida em que deveria ser nas mãos de De Niro, que consegue criar diálogos que passam tom clássico de pilantragem e sutileza que só não chamo de único porque tem muito por aí, mas tudo em volta dele tem um caráter tenso e até um pouco irônico que é perfeito e dá um ritmo muito próprio ao enredo.

  O outro personagem central, Ernest, é quem mais me passa a sensação de representar o extermínio não necessariamente literal, mas étnico que o filme tenta passar. As cenas que focam nele e/ou em King Hale enquanto o roteiro falam sobre a necessidade dos Osage de manter sua identidade cultural e, com o passar dos ocorridos, vão tendo cada vez mais brancos enquanto os indígenas – se reproduzindo menos entre eles e sendo mais assassinados – somem, são geniais.

  Assumidamente apaixonado por dinheiro, Ernest é outro claro pilantra, mas DiCaprio consegue conferir ao personagem um tom diferente do que o King Hale tem, mescla a pilantragem com inocência e cinismo que culmina num ar de bobo que faz até sentir um pouco de pena dele até vir a lembrança de que é um dos responsáveis daquele extermínio que tinha como principal vítima a própria esposa dele, Mollie (Lily Gladstone), que também dá um show sendo cada vez mais apática a medida que seu povo vai sofrendo mais às custas de quem ela ama.

  Três horas e meia de duração até assusta, mas faz sentido para ser suficiente colocar no filme toda uma narrativa que engloba uma história interessante e pouco conhecida, muito bem representada pela junção da criação de personagens tão fortes e particulares, junto da trilha sonora e das técnicas de filmagem que lembram filmes como os do próprio diretor, mas com claras influências que não fazem “Assassino da Lua das Flores” deixar de ser original.

  Em “Assassino da Lua das Flores”, dá para perceber Wes Anderson no enquadramento e no tom mais irônico, Brian de Palma na composição de algumas cenas, de filmes de faroeste, “Acossado” de Godard na cena em que Ernest e Hale discutem no carro, tudo contribuindo para que o filme se torne uma coisa misteriosa, tensa, irônica, inocente, sombria, reflexiva e impactante, cada elemento na medida correta para fazer uma obra que, com tantas influências, é autêntica e interessante o suficiente para ser de Martin Scorsese. 

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Caio Azevedo

19 anos, estudante de Jornalismo pela UFRRJ.

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