Crítica: Criaturas do Senhor

Crítica: Criaturas do Senhor

  “Criaturas do senhor” é um filme que aposta na reflexão diante de um assunto tão delicado como o que ele trata, oferecendo aos atores espaço para brilharem no próprio silêncio.

  Apesar de não estar sendo nada badalado, Criaturas do Senhor é uma produção da A24 e protagonizado por Paul Mescal, as figuras “da moda” em suas respectivas áreas. Mescal ganhou forte notoriedade ao concorrer ao Oscar por sua bela interpretação em Aftersun, também da A24, e sinto que os filmes seguem linhas parecidas por tratar de assuntos muito espinhosos e sensíveis dando aos atores a responsabilidade de interpretar sentimentos e os deixarem bem expostos, promovendo a reflexão diante do que é exposto. 

  Nesse caso, Paul Mescal interpreta um jovem de uma cidade pequena e trabalhadora na Irlanda, um ambiente bastante clássico em filmes no país, onde todo mundo se conhece, trabalha o dia todo e sai para beber no fim do dia. Seu personagem, Brian O’Hara, é apresentado como alguém que saiu de casa para a Austrália e sumiu sem dar notícias por um longo tempo e volta para trabalhar, como qualquer homem da região, no mar. No seu caso, com ostras. 

  A volta de Brian, desde um primeiro momento, passa muito desconforto. Desconforto de seu pai, Con(Declan Conlon) e de sua irmã, Sarah(Aisling Franciosi), com a volta repentina sem avisar nada e com uma personalidade que causa muita estranheza. Não necessariamente nos personagens, mas em quem assiste. Brian parece não ligar para nada além de ir trabalhar com as ostras que eram de seu avô, com um jeito meio enigmático que me causou uma antipatia desde o começo do filme. Inclusive, objetivo bem cumprido pelo ator. 

  Diferente da irmã e do pai, a sensação com a volta do filho foi muito diferente para Aileen, sua mãe. Para ela, foi alívio. Numa atuação absurda de Emily Watson, ela virou a protagonista da trama por fazer tão bem aquilo que disse: transmitir as angústias, controvérsias e amor que sente, às vezes sem nem precisar falar, com espaço suficiente dado pelas diretoras Saela Davis e Anna Rose Holmer para dizer muito com o silêncio. Isso porque o filme ganha outro tom quando Brian reencontra Emma(Isabelle Connolly), com quem já tinha se relacionado antes de sair do país, e a estupra. A partir daí, o que estava bem morno e preocupado com a ambientação vira um filme bastante tenso, explorando a relação de uma mãe que vê o próprio filho, amado, cometer um crime tão terrível contra uma amiga e companheira de trabalho com a situação em si. Aileen mente no tribunal, para si mesma e para todos em volta para defender seu filho, tão asqueroso, que se rodeia de outros vermes, com quem provavelmente aprendeu a se portar como ele se porta, obviamente sem qualquer remorso diante da nojeira que comete, mas ela parece questionar a todo momento a sua decisão, por mais que viva como se nada tivesse acontecido, justamente por ir entendendo o quão absurdo era o que ela vinha fazendo, mesmo que fosse por amor. 

  Eu gosto de filmes sem tanto diálogo, desde que eles digam algo. Criaturas do Senhor faz isso bem várias vezes, mas é nesse momento, na virada de chave interna que a mãe tem que falta um pouco de ação e a morosidade toma conta na tentativa de mostrar as coisas sem necessariamente expor elas pela fala, por mais que Emily Watson consiga fazer isso com a vida que ela dá aos momentos mais tensos e íntimos da personagem, dentro do contexto de alguém que se vê desprezível diante de tanta sujeira que ela acaba participando. 

  O conflito interno de Aileen é o ponto alto do filme e desemboca numa cena, no final, que premia a “luta” da personagem para aceitar a falência da moral do seu filho, da morte do amor dela por um sujeito tão repugnante que ela teve o desprazer de chamar, com amor, de filho durante tanto tempo. A morte de Brian é premeditada desde o começo do filme, quando sua irmã comenta sobre a tradição de os homens do lugar não saberem nadar e trabalharem no mar, no meio de um funeral de alguém que morreu afogado ali, mas a cena derradeira dele, além de prazerosa, não deixa de funcionar como um peso tirado das costas da mãe, um alívio que antes ela só tinha tido ao vê-lo voltar para casa, sentindo agora quando o vê indo embora para sempre.

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Caio Azevedo

19 anos, estudante de Jornalismo pela UFRRJ.

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